sexta-feira, 31 de dezembro de 2010

Virando Wodwo - Neil Gaiman

Esta é a minha última postagem do ano. Espero terminá-la a tempo.
Virando Wodwo
Despir minha camisa, meu livro, meu casaco, minha vida
Deixá-los, cascas vazias e folhas secas
Ir em busca de comida e de uma nascente
De água fresca.
Encontrarei uma árvore tão grossa quanto dez homens gordos
Água cristalina correndo entre suas raízes cinzentas
Bagos encontrarei, maçãs selvagens e nozes,
E chamarei tudo de lar.
Direi ao vento meu nome, e a mais ninguém.
A verdadeira loucura nos toma ou nos deixa na floresta
na metade da vida de todos nós. Minha pele será
meu rosto agora.
Eu devo ser doido. Deixando a razão com os sapatos e a casa,
meu estômago dói. Cambalearei através do verde
rumo a minhas raízes, e folhas e espinhos e botões,
e tremerei.
Abandonarei as palavras para andar no mato
Serei o homem da floresta, saudarei o sol,
E sentirei o silêncio brotar na minha lingua
como linguagem.
Análise... É um homem (quero dizer ser humano) (ele me lembra um pouco Richard Mayhew de Lugar Nenhum) que se cansa da vida de... humano e abandona tudo para ser um Wodwo (ou Wodwose, protetor das florestas). E não há muito mais para se dizer, o poema fala por si. O eu-lírico (deve ter alguns meses que não uso esta palavra) deixa tudo que ele tinha como sagrado para tentar ser feliz. Ele escolhe a felicidade da floresta, longe do Ser Humano, em contato apenas com seres que não desejam mal uns aos outros. Não é uma má troca. Vocês a fariam?
Pois bem, estou cansado, tenho alguma fome e é ano novo em cinco minutos. Vou-me agora. Até o ano que vem.
Bons sonhos, bom ano novo e boa vida a todos.
P.S.: a hora de publicação estará como 00:5equalquercoisa, mas continuo me referindo como 23:5emuitos porque o Brasil está em horário de verão, mas o Norte-Nordeste não. Bem, lá vai... Boa noite, bons sonhos. Que Sandman e todos os Perpétuos lhe abençoem.

A Dança Das Fadas - Neil Gaiman

Boa noite a todos.
Estava pensando se postaria alguma coisa no dia do ano novo e pensei... Pra quê melhor? Neil Gaiman!
Talvez poste mais um poema depois deste, mas devo avisar: descumprirei minha promessa da análise de A Câmara Secreta, ao menos no futuro próximo.
Boa leitura.
A Dança Das Fadas
Se eu fosse jovem e o sonho e a morte
fossem distantes como então,
Não partiria minh'alma ao meio,
guardando dela aqui um quinhão
Que tentaria o mundo das fadas
alcançar, mas sempre em vão
Enquanto a outra parte dela
andasse pela escuridão
Até curvar-se e dar três beijos
numa bela fada de maio
Que águias do céu arrancaria, com elas
pregando-me a um raio
E se meu coração fugisse dela,
se se desvencilhasse dela,
Num ninho de estrelas envolto
a fada ainda o traria com ela
Até que dele se cansasse,
quando enfarada o deixaria
Num rio de fogo onde meninos
o acabariam roubando um dia,
O iriam pegar, dele abusar,
puxando-o, deixando-o fino,
Partindo-o em quatro fios
p'ra encordoar algum violino.
E todo dia e toda noite
tocariam nele um madrigal
Que todos poria p'ra dançar
de tão estranho e sensual,
E o público rodopiaria,
saltitaria, cantaria em coro
Até que, com o olhar em brasa,
desabaria em rodas de ouro....
Mas isso foi há sessenta anos,
e jovem eu já não mais sou:
Para tocar além do sol
meu coração já alçou voo.
Com mente e olhar cheios de inveja,
admiro as almas isoladas
Que tal vento lunar não sentem,
alheias à Dança das Fadas,
Que não seduzem que não as ouve,
quem não se atreve a ser tão forte.
Quando eu era jovem, eu era um tolo. Então
me envolvam em sonho e morte.
Ok. Faltam quarenta (e um) minutos para o Ano Novo aqui na Bahia. Isso me dá mais uns dez minutos para terminar esta postagem e mais meia hora para fazer a próxima.
Certo, certo, a análise.
Considero este um dos melhores poemas do livro e possivelmente um dos melhores do Neil (ainda não é melhor que A Paixão do Arlequim, mas...). Este belo poema fala sobre um senhor que está se lembrando de sua juventude (ao menos é o que me parece). Ele então discorre sobre suas peripécias de jovem e tolo. Sobre como ele se apaixonou por uma fada, sobre como se amarrou a uma águia, como divertiu jovens na Grande Noite (não me pergunte o que quero dizer com isso, ainda não tenho certeza).
Então, ele acorda, e percebe que tudo aquilo já passou, e ele é apenas um velho. Gosto de pensar que ele se volta para o "sonho e a morte" como Morpheus fez: uma espécie de constatação da realidade: está na hora de mudar. Espero que quando chegue a minha hora, eu possa fazer esta constatação com tanta elegância assim.
Provavelmente estou falando baboseiras, estou meio cansado, estou triste, estou com borboletas no estômago. Estou também com vergonha e há séculos eu não analiso um poema. E, como sempre, estou analisando este poema com base em como me sinto.
Bons sonhos a todos.

quinta-feira, 30 de dezembro de 2010

A Câmara Secreta - Neil Gaiman

Olá a todos que ainda passam por aqui.
Passamos muito tempo afastados, e sei que isso é em grande parte, minha culpa.
Para que possam me desculpar, irei postar A Câmara Secreta, de Neil Gaiman. Sage, esta é para você:
A Câmara Secreta
Não tema os fantasmas desta casa; eles são a menor de suas preocupações.
Pessoalmente, acho os barulhos que eles fazem reconfortantes,
os rangidos e passos no meio da noite,
seus truquezinhos de esconder coisas, ou tirá-las do lugar, acho
meigos, não pertuquietantes. Fazem o lugar se parecer muito mais com um lar.
Habitado.
À parte os fantasmas, nada vive aqui por muito tempo. Nem gatos,
nem ratos, nem moscas, nem sonhos, nem morcegos. Dois dias atrás
vi uma borboleta,
uma monarca, acho, que dançava de quarto em quarto
e pousava nas paredes e esperava perto de mim.
Não há flores nesta casa vazia,
e, temendo que a borboleta morresse de fome, forcei uma janela até escancará-la,
fiz minhas duas mãos em copas em torno do seu ser farfalhante,
e, sentindo suas asas beijando-me as palmas tão suavemente,
a pus para fora, e a vi voar para longe.
Tenho pouca paciência com as estações aqui, mas
a sua chegada aliviou o frio deste inverno.
Por favor, ande por aí. Explore quanto quiser.
Rompi com a tradição em alguns pontos. Se há
um cômodo trancado aqui, você jamais saberá. Não vai encontrar
velhos ossos ou cabelos na lareira do porão. Não encontrará sangue.
Olhe:
só ferramentas, uma máquina de lavar, uma secadora, um aquecedor
de água e um molho de chaves.
Nada que possa alarmar você. Nada sombrio.
Posso ser carrancudo, talvez, mas apenas tão carrancudo
como qualquer um que tenha sofrido o que sofri. Infortúnio,
descuido ou dor, o que importa é a perda. Você verá
a mágoa perdurar em meus olhos, e sonhará
pelos corredores desta casa. Trazendo um pouco de verão
no seu olhar, e com seu sorriso
Enquanto estiver aqui, é claro, você ouvirá os fantasmas, sempre no quarto ao lado,
e pode acordar ao meu lado à noite,
sabendo que há um espaço sem porta
sabendo que há um lugar que está trancado mas que não está lá. Ouvindo-os
lutar, gemer, bater, pisar.
Se você for sábia, correrá para a noite, farfalhando para o ar frio
vestindo, talvez, a camisola mais rendada. Os seixos duros da estrada
farão seus pés sangrarem enquanto corre,
portanto, se eu quisesse, poderia segui-la,
saboreando o sangue e os oceanos de suas lágrimas. Em vez disso, esperarei,
aqui, no meu lugar particular, e logo porei
uma vela
na janela, amor, para guiá-la na volta.
O mundo farfalha feito insetos. Acho que é assim que hei de me lembrar de você,
minha cabeça entre as saliências brancas de seus seios,
ouvindo as câmaras do seu coração.
Eu ainda não tenho certeza se entendi este poema. Amanhã posto minha análise.
Tenham uma boa noite, bons sonhos e um feliz ano novo.